quarta-feira, 13 de julho de 2016

Convite à reflexão nº1 - Os Julgamentos Apressados na Era do “Whats”.

Um dia desses eu estava lendo um livro, sugerido como parte da bibliografia de um curso de especialização ao qual venho me dedicando, e me deparei com uma passagem interessante: consiste da narração de três situações, aparentemente muito diferentes umas das outras, mas que convergem para um ponto sobre o qual quero propor uma reflexão.

Situação 1) A população de raposas de uma certa área do Canadá costuma aumentar (ao ápice) e diminuir, até quase a extinção, num período de 4 anos, quando volta a crescer. “Se a atenção do biólogo se limitasse às raposas, esses ciclos permaneceriam inexplicáveis, pois nada existe na natureza da raposa ou de toda a espécie que justifique tais mudanças. Contudo, quando se leva em conta que as raposas vivem quase exclusivamente da caça ao coelho selvagem e que estes coelhos não tem, praticamente, outro inimigo natural, essa relação entre as duas espécies fornece uma explicação satisfatória para um fenômeno que, caso contrário, seria misterioso” (Watzlawick,1973. p.17). Verifica-se que os coelhos selvagens possuiriam um ciclo idêntico ao das raposas, não fosse pela inversão entre o ápice e o vale do número de indivíduos, ou seja, quando a população de raposas está no ápice, a de coelhos beira a extinção e vice versa. Tal fenômeno, agora observado de forma ampla, permite perceber que um grande número de raposas (predadores) leva a uma diminuição proporcional no número de coelhos (presas), caçados por elas; com poucas presas, muitos predadores morrem de fome e sua população começa a minguar, favorecendo um novo crescimento da população de coelhos. É claro que, para os fins dessa demonstração, não estamos levando em conta as interferências da ação do Homem ou fenômenos climáticos.

Situação 2) “Um homem desmaia e é levado ao hospital. O médico que o examina observa o estado de inconsciência, a pressão sanguínea extremamente baixa e o quadro clínico de aguda intoxicação por álcool ou droga. Contudo, as análises não revelam vestígio algum de tais substâncias” (Watzlawick,1973. p.17). Teríamos aqui um novo mistério, não fosse o paciente, agora desperto, para lançar luz sobre aspectos até então ignorados. Em seu depoimento, ele diz ser um engenheiro que acabara de voltar de dois anos de trabalho numa mina de cobre situada no alto de uma cordilheira, tornando claro para o médico que o quadro em questão não se tratava de uma doença no sentido usual do termo, mas de uma readaptação de um “organismo clinicamente saudável a um meio drasticamente alterado. Se a atenção do médico permanecesse exclusivamente concentrada no paciente e se apenas a ecologia do meio habitual do médico fosse levada em conta, o estado do homem continuaria sendo um mistério” (Watzlawick,1973. p.17).

Situação 3) Um homem barbudo caminha por entre arbustos, rastejando e agachando-se enquanto descreve uma trajetória em forma de oito, olhando por cima do ombro e emitindo sons esquisitos. Assustados, os turistas que visitavam aquela região paravam para assistir àquela cena de olhos arregalados. Não sabiam, porém, que aquele era Konrad Lorenz, um importante pesquisador do imprinting, que conduzia um experimento onde agia como substituto da mãe-pata e estava guiando os patinhos pelo gramado, impressionado com a exatidão com que o seguiam. Para os turistas, no entanto, não era possível ver os patinhos ocultos pela grama alta, dando-lhes a  nítida impressão de um comportamento inexplicável, digno da loucura.

Essas três situações aparentemente distintas, se olharmos com atenção, nos permitem concluir que “um fenômeno permanece inexplicável enquanto o âmbito de observação não for suficientemente amplo para incluir o contexto em que o fenômeno ocorre” (Watzlawick, 1973, p.18). Antes os julgássemos inexplicáveis, não é verdade? Quantas vezes, no nosso cotidiano, não nos apressamos em tirar conclusões sem termos nas mãos os elementos necessários para tal? Quantas vezes não julgamos dispor de tais elementos sem, de fato, tê-los à mão?

Aparentemente, esse é um padrão que se repete desde tempos antigos, mas que, na era da informação (que vivemos hoje), ganha alguns agravantes que precisamos considerar: temos nas mãos smartphones, dispositivos que permitem uma conexão em tempo real, 24h por dia - ou enquanto a bateria durar - permitindo o acesso instantâneo à notícias, Whatsapp e E-mails - para dizer o mínimo; uma intensificação do processo iniciado pela popularização da internet, nos anos 90. Na lógica do Smartphone, se a(o) namorada(o) demora a responder um “whats” ou “zap” (para os íntimos), há uma grande chance do(a) autor(a) da mensagem ficar triste ou explodir de raiva, sentindo-se desprestigiado(a) diante do que quer que o outro esteja fazendo. Na lógica do Smartphone, se o(a) empregado(a) demora a responder um e-mail de trabalho, ou a adaptar sua prática a uma notícia “bombástica” que acabou de sair, pode ser que o patrão venha a cobrá-lo(a), ainda que nada disso tenha ocorrido dentro do horário de serviço.

Essa possibilidade de dar e receber respostas imediatas fez nascer a demanda por sua obrigatoriedade, sob a qual agimos, muitas vezes, sem nos darmos conta, e que nos estimula a fazer julgamentos rasos baseados nos valores e conhecimentos dos quais dispomos à ocasião. Afinal, fazer uma pesquisa, se colocar no lugar do outro, procurar ouvir mais de uma versão para um mesmo fato, tentar ver que conjuntos de valores e outros fatores estão em jogo levaria tempo demais, acarretando proporcional angústia tanto em quem anseia pela resposta quanto naquele que se propõe a oferecê-la. 

Dessa forma, procurar entender e dominar nossas angústias pode ser a chave para nos permitirmos uma observação “suficientemente ampla” das situações-problema, e, por consequência, chegarmos a conclusões mais precisas, ainda que incompletas. Tal como quem admira um quadro impressionista, precisamos nos permitir o tempo e o distanciamento necessários para que possamos ter uma melhor visão e compreensão do “todo” da obra, mesmo que muita coisa ainda escape à percepção.
Referência:

WATZLAWICK, P. (1973) Quadro de referência. In: A pragmática da comunicação humana: um estudo dos padrões, patologias e paradoxos da interação. São Paulo: Editora Cultrix, 2007.

2 comentários:

  1. Queridão, curti a ideia! É curioso como a sociedade não soube e não está sabendo lidar com esse imediatismo que a internet de uma forma geral trouxe. E além disso, julgamentos são feitas de forma errônea justamente pelo fato desse imediatismo. Apenas para complementar sua reflexão, trago uma frase que vi recentemente, mas não lembro onde: "Sempre se disse que as pessoas são inocentes até que se provem o contrário. Hoje em dia, todos são culpados até que se provem inocentes."

    Grande abraço!

    PS.: "zap" não, por favor. Hahahaha

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    1. Agradeço pelo comentário, rapaz, e só essa frase entre aspas já dá um outro texto! Aliás, só coloquei essa parte do "Zap" em sua homenagem, fique sabendo! hehe

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