terça-feira, 27 de setembro de 2016

Recurso à ficção nº2 - “500 dias” de paixão, e porquê Summer estava com a razão.

O presente artigo é um recorte feito à partir do trabalho “A compulsão à repetição no campo das paixões tóxicas a partir da analise do filme ‘500 days of Summer’ (500 dias com ela)”, desenvolvido em parceria com a psicóloga, à época estudante, Karine Szuchman, em 2011, como forma de avaliação da disciplina eletiva ministrada pelo professor e psicanalista Victor E. S. Bento, no Instituto de Psicologia da UFRJ. Este foi, sem dúvida, o ponto de partida do meu interesse pela clínica com casais, um dos fatores que, mais tarde, me levariam à atual Especialização em Psicoterapia de Família e Casal, na PUC-Rio. Espero que vocês gostem desta análise, e que ela os ajude na aquisição de novas percepções sobre si mesmos e seus relacionamentos, mas cuidado: contém Spoilers do filme!

500 days of Summer” (500 dias de Verão, em uma tradução literal, ou 500 dias com ela, como ficou conhecido no Brasil) é um filme que busca apresentar a versão do autor, Scott Neustadter, a respeito do fracasso de seu relacionamento com uma moça com quem se envolveu durante sua pós-graduação na London School of Economics, e que inspirou a personagem Summer Finn. Porém, segundo o próprio autor, em entrevista ao site ‘salon.com’, quando confrontada por seu roteiro, sua “musa” afirmou se identificar com o personagem Tom Hansen, o que o deixou convencido do não reconhecimento, por ela, das próprias ações e de sua “grande habilidade” em tirá-lo do sério. Mas será que é só isso? 

O enredo traz a perspectiva do personagem Tom e se inicia no dia 290, logo após o término do relacionamento, numa cena em que ele personifica seu vazio interior, quebrando pratos, um após o outro, sem demonstrar qualquer emoção até ser interrompido por sua irmã pré-adolescente, tida como a “última esperança” de seus amigos para fazê-lo recobrar a razão. Dali em diante, a trama procura alternar cenas ocorridas nos dias anteriores, que mostram a ascenção e o declínio do relacionamento, e aquelas ocorridas nos dias posteriores, onde o protagonista se vê às voltas com a falta e tenta encontrar soluções para ela. Esse recurso, aliado à divisão da tela entre as expectativas e a realidade, à expressiva trilha sonora e aos momentos em que Tom sonha acordado se deixando levar por suas fantasias, acabam por nos fornecer uma rica visão sobre a subjetividade do personagem, material que servirá de base para esta interpretação e que, a meu ver, faz de “500 dias” um exemplo quase didático sobre a paixão e de suas diferenças para com o amor.

O filme começa com a seguinte advertência: “NOTA DO AUTOR: Esta é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas é mera coincidência. Especialmente você, Jenny Beckman. Sua ****!”. A agressividade contra a mulher escondida sob o pseudônimo é inegável, mas a ironia empregada acaba por disfarçar aquele em um momento bem-humorado, leve, arrancando pelo menos um sorriso de canto de boca de quem assiste. Entretanto, com a intervenção do narrador, logo na sequência, tudo se torna mais claro: “Essa é uma história em que um garoto conhece uma garota, mas estejam avisados: essa não é uma história de amor”. É uma história sobre a paixão - eu complementaria, e vocês entenderão o motivo.

Resumindo, Tom é um arquiteto frustrado que leva uma vida medíocre e entediante trabalhando como escritor de cartões, destes que damos e/ou ganhamos em “ocasiões especiais”, vivendo uma vida sem brilho até que avista Summer, a secretária recém-contratada pela firma. Nesse momento, o narrador nos conta que o personagem “cresceu acreditando que nunca seria verdadeiramente feliz até que encontrasse a mulher de sua vida” - uma idealização de que seria possível sentir-se completo, pleno, uma vez que encontrasse essa “musa, até então, sem rosto” - e que “soube, quase imediatamente”, que ela era essa mulher - atribuindo instantaneamente, portanto, um rosto à tal musa. Estamos falando do tal “amor à primeira vista”, que, arrisco dizer, todos já sentiram alguma vez na vida e que de amor nada tem. Amor seria o endereçamento de uma significativa porção de afeto a um outro, ou seja, pressupõe o reconhecimento consciente da alteridade, das diferenças entre os dois envolvidos, seus acertos e falhas, além da noção básica de que esse outro não é capaz de te oferecer completude e que pode até ser irritante, decepcionar e magoar de vez em quando, mas ainda assim é desejável tê-lo por perto. Tom, por sua vez, não conhecendo nada sobre Summer, tem na moça uma “tela em branco” sobre a qual pode projetar sua musa idealizada, aquela que será capaz de tirá-lo de sua miséria e alçá-lo à tão desejada completude: ela seria, para ele, “a outra metade da laranja”. Concluindo, Tom está apaixonado.

A narrativa também mostra o quanto essa paixão pode criar distância entre o sujeito e o objeto de sua adoração: Tom, vendo Summer como sua musa, sente-se tão aquém dela que tem grandes dificuldades em se aproximar, como se o risco de tentar alcançar o paraíso fosse, para sempre, perdê-lo junto ao seu ideal de “verdadeira felicidade”. O protagonista idealiza o encontro, mas não se sente capaz de torná-lo realidade, até que a moça resolve encurtar essa distância psíquica imposta por ele e, no elevador, quebra o silêncio dizendo amar a banda responsável pela música melancólica que ele vinha escutando em seu Headphone - um símbolo claro de seu fechamento ao contato. O rapaz demora a acreditar que a jovem descera do pedestal, no qual ele a pusera, e se dirigira a ele para dizer ter, com ele, um interesse em comum, dando uma nova dimensão ao seu apaixonamento: no lugar da distância, a possibilidade de proximidade, e no lugar daquilo que falta, daquilo que o completaria, aquilo que é igual, que coincide.

Tom e Summer começam a se envolver, ambos entorpecidos pela paixão, vivendo intensamente a ilusão de completude fornecida por esse encontro com uma projeção de si mesmos sobre o outro. O protagonista passa a se mostrar seguro e bem-humorado, e, inspirado por esse turbilhão passional, começa a escrever as frases mais sensíveis e perspicazes para a empresa na qual trabalha, conquistando maior destaque profissional. No encontro com a moça, ele acha graça das coisas mais bobas e minimiza qualquer situação que fuja à ilusão de perfeição, recusando-se a ver Summer por quem ela realmente é: uma pessoa que, por mais que tenha alguns interesses em comum com ele, também possui seus próprios pontos de vista e aspirações, muitas vezes divergentes. 

É preciso dizer, no entanto, que esse é um processo bastante normal - e a ex-namorada do autor que o diga: é por isso que temos tanta facilidade em nos identificar com Tom, pintando sua musa como uma “sem-coração” que acenara para ele com a possibilidade de uma vida a dois, mas que se recusa e busca o rompimento, casando-se com um terceiro. Contudo, o que frequentemente nos escapa à percepção quando assistimos ao filme - não por acaso - é que a moça também estava apaixonada por Tom, mas que à partir de um certo ponto, sua idealização projetada sobre ele começa a ruir e ela se vê diante de um homem falho, que não a completa, e que parece incapaz de abrir mão da imagem idealizada que tem dela, de vê-la por quem ela é. Sozinha nessa relação com um cara que insiste em rir das mesmas bobagens dos tempos apaixonados e não enxergar sua subjetividade, Summer não consegue ascender ao amor e busca o rompimento, vindo a relacionar-se com um homem que, provavelmente, fora capaz de apaixonar-se, desapaixonar-se e, então, amá-la. Percebam, portanto, que não há nada de errado em apaixonar-se, aliás, quase todo relacionamento começa por essa via, mas em algum momento é preciso abrir mão dessa ilusão de completude para que, enfim, se possa enxergar o outro enquanto sujeito, para além de um objeto-espelho de si, e permitir o afloramento do amor.

Após o término do namoro, Tom ainda volta a ser frustrado em suas esperanças de reconciliação e passa por uma comovente luta na tentava de se haver com o vazio deixado pela perda da parte de si projetada na musa, bem como da ilusão de completude, por ela, proporcionada - e aqui cabe um adendo: Todo rompimento produz um vazio, pois, também no campo do amor, a quantidade de afeto investida no outro fica, momentaneamente, sem lugar até poder ser reinvestida no Ego e em outros objetos de afeição, o que dá origem a um processo de “luto pelo objeto de amor perdido” que, quando superado, promove a indiferença ou à reconfiguração da relação como amizade. Contudo, no primeiro caso, por ignorar completamente as causas que levaram à separação e sua própria parte nisso, o(a) apaixonado(a) tende a interpretar a postura do outro como abandono, podendo reagir com o ódio ou a culpa - um ódio dirigido, inconscientemente, a si mesmo como punição por um mal cometido. Notem, também, que tanto o ódio quanto o amor/paixão são sentimentos poderosos que mantém a conexão entre as partes, e que, portanto, podem estar a serviço de uma recusa em aceitar, de “fazer vista grossa” para crua realidade do rompimento, enquanto a indiferença ou a amizade, sim, representariam a possibilidade da verdadeira separação e superação das questões a dois.

Retornando à narrativa, Tom leva bastante tempo nesse processo, deixa a firma na qual trabalhava e resolve dar ouvidos ao seu desejo, investindo na Arquitetura e encontrando na carreira uma motivação para alem de Summer. Nesse momento, ele parece estar começando a relativizar sua noção idealizada de “felicidade verdadeira”, dando-se conta de que a maior parte de sua satisfação, enquanto sujeito, depende mais dele do que da ilusão de completude junto a um objeto de afeição, mas isso não chega a se concretizar: ele reencontra Summer e ainda parece vivenciar a partida dela como abandono, apesar de se mostrar mais forte em sua autoestima. E o resultado previsível de uma questão tamponada (varrida para debaixo do tapete ou não verdadeiramente superada) como a do protagonista é a repetição: o tal “dedo podre” ou o “acaso”, entidades a quem costumamos atribuir a responsabilidade pelas sucessivas más escolhas e fracassos amorosos; Tom, saindo de uma entrevista de emprego, conhece a jovem Autumn (Outono), zerando a contagem dos “500 dias” para um novo ciclo que, provavelmente, também o levará ao céu e ao inferno. 

Essa tendência à repetição é um mecanismo psíquico inconsciente através do qual tentamos buscar novas percepções sobre uma vivência que não conseguimos simbolizar, ou para a qual ainda faltam compreensões, de onde conclui-se que após ter vivido seus 500 dias de Verão - referência ao título em sua tradução literal - (com Summer), o personagem apaixonado viverá os 500 dias de Outono (com Autumn) e, quem sabe, 500 dias de Primavera e de Inverno antes que consiga entender sua parte nos fracassos de seus relacionamentos. Só então, ele poderá produzir uma nova escrita, saindo de sua sina melancólica para ver sua próxima companheira por quem ela é, sem atribuir-lhe a responsabilidade por sua felicidade ou completude, alcançando o patamar a que sua primeira musa pôde chegar: o amor, o estado de querer-ficar-com-apesar-de.


Referências:

BENTO, V. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade: considerações sobre o conceito de narcisismo em Freud (1905) e sobre a paixão amorosa tóxica à partir de Freud. Revista da ABP-APAL, São Paulo, v. 16, n. 4, p. 154-164, 1994a.

BENTO, V. “Leonardo da Vinci e uma lembrança da sua infância”: considerações sobre o narcisismo em Freud e sobre a paixão amorosa tóxica a partir de Freud. Temas, São Paulo, v. 24, n. 47, p. 94-113, 1994b.

BENTO, V. O presidente Schreber, um caso de paranoia: considerações sobre o narcisismo em Freud (1911) e sobre a paixão amorosa tóxica a partir de Freud. Informação Psiquiátrica, Rio de Janeiro, v. 14, n. 1, p. 27-35, 1995.

BENTO, V. Para uma semiologia psicanalítica das toxicomanias: adicções e paixões tóxicas no Freud pré-psicanalítico. Revista Mal-estar e Subjetividade, v. 7, n. 1, p. 89-121, 2007a.

BENTO, V. Introdução às Justificativas clínicas e teóricas da hipótese das paixões “tóxicas”. Estudos de psicologia, Campinas, v.27,n.1, p. 109-120, 2010

KLEIN, M. Estágios Iniciais do Conflito Edipiano e da Formação do Superego. A Psicanálise de Crianças, Imago, Rio de Janeiro, p.145-168, 1997

FREUD, S. Recordar, Repetir e Elaborar. Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud, Imago, Rio de Janeiro, v.12 , p.163-171, 1914

FREUD, S. Além do Princípio do Prazer. Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud, Imago, Rio de Janeiro, v.18 , p.17-75, 1920

FREUD, S. Sobre o Narcisismo: uma Introdução. Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud, Imago, Rio de Janeiro, v.14 , p.81-108, 1923

FREUD, S. O Ego e o Id. Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud, Imago, Rio de Janeiro, v.19 , p.27-71, 1923

WINNICOTT, D.W. A capacidade para estar só. O ambiente e os Processos de Maturação: Estudos sobre a Teoria do Desenvolvimento Emocional, Artmed , Porto Alegre, p.31-37, 1958

WINNICOTT, D.W. Desenvolvimento Emocional Primitivo. Da Pediatria à Psicanálise, Imago, Rio de Janeiro, p.218-232, 1945

WINNICOTT, D.W. Psicoses e Cuidados Maternos. Da Pediatria à Psicanálise, Imago, Rio de Janeiro, p.218-232, 1952


WINNICOTT, D.W. Objetos Transacionais e fenômenos Transicionais. Da Pediatria à Psicanálise, Imago, Rio de Janeiro, p.218-232, 1951

segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Recurso à ficção nº1 - Como explicar o fenômeno de Game of Thrones

Game of Thrones (ou Jogo dos Tronos) é uma série de televisão produzida e transmitida mundialmente pelo canal HBO, inspirada nos livros da coleção “Crônicas de gelo e fogo”, de George R. R. Martin, com seis temporadas já exibidas e outras duas ainda por vir. Trata-se de uma complexa e envolvente trama, com qualidade técnica, elenco e cenários dignos de Hollywood, que retrata à perfeição o contraste entre o luxo e a miséria, o papel central da fé, as guerras, alianças e as traições da turbulenta Idade Média, transpostos para um mundo fictício habitado por dragões e outras criaturas sobrenaturais. Entretanto, mesmo diante de tanto investimento e um enredo bem construído, nem os mais otimistas conseguiram prever o quanto essa obra de fantasia se destacaria das demais, tornando-se um fenômeno mundial de audiência e movimentando um lucrativo mercado de produtos oficiais e não-oficiais. Como explicar?

Primeiramente, convido-os a pensar um importante diferencial da série: o destino de seus personagens. Estamos acostumados ao herói clássico - aquele regido por um inabalável código de honra, dotado de grande coragem e altruísmo - ao anti-herói - aquele regido por um código moral “flexível” e de caráter nada virtuoso, que atinge os objetivos através de métodos questionáveis e ainda assim nos cativa por seu carisma - e ao vilão clássico - aquele que deverá encarnar a essência do mal e, portanto, será o contraponto absoluto ao herói. Contudo, na produção da HBO somos a todo tempo surpreendidos por heróis problemáticos - aqueles com boas intenções, mas que são assombrados por seus traumas e incertezas, por seus vícios e virtudes - e muitos personagens não-lineares - aqueles que começam a jornada como heróis clássicos e vão se tornando anti-heróis, ou vilões que vão se humanizando. Em outras palavras, Game of Thrones nos apresenta personagens mais realistas, com trajetórias de erros, acertos, degradações e redenções com as quais podemos nos identificar mais facilmente do que com os ideais representados pelo herói clássico ou pelo vilão.

Outra característica notável é a morte de protagonistas. Com um amplo leque de bons personagens, tanto o autor quanto os produtores não economizaram nas corajosas reviravoltas que, quase sempre, deixavam os expectadores órfãos de seus favoritos. Muitos disseram, por vezes, que deixariam de assistir à série, mas em poucos dias ali estavam, frente à TV, aguardando ansiosamente o início do episódio seguinte e, nesse contexto, surgiram brincadeiras como “é melhor não gostar mais de ‘fulano(a)’, senão ele(a) vai acabar morrendo também”. Esses gracejos costumam dar pistas importantes sobre o nosso funcionamento e, nesse caso específico, ajudam a tornar evidente a causalidade “se eu gostar dele(a), ele(a) irá morrer”, como se ao fã coubesse condenar por seu afeto ou salvar o(a) personagem por meio de sua indiferença para com ele(a). Em outras palavras, por meio da despretensiosa frase acabamos explicitando que, num nível inconsciente, tanto nos julgamos onipotentes, detentores de poder suficiente para fazê-los viver ou morrer, quanto temos registro da destrutividade que o nosso amor pode carregar. Além disso, a pessoa na qual esse mecanismo opera terá que se haver, inevitavelmente, com as mortes já ocorridas em consequência de seu apego, ou seja, com um sentimento inconsciente de culpa oriundo das “vidas” que tirou “sem querer”, além daquelas que, em sua onipotência, se sente capaz de ceifar. Isso abre caminho para uma tentativa de reparação por meio do afastamento, onde não é mais possível deixar envolver-se pelos personagens objetos de sua afeição, sob a pena de vê-los destruídos, com o objetivo último de atenuar a culpa e seguir acompanhando a série.

Em outros casos, contudo, as mortes de personagens queridos podem ser atribuídas à uma atitude sádica dos produtores ou do autor, resultando numa postura retaliatória, por parte dos fãs, que se prestam a externalizar seu “rompimento unilateral” com a série, tendo dois desdobramentos frequentes: (1) a culpa inconsciente por ter sido a figura ativa na “separação”, faz o sujeito voltar atrás, esvaziando a carga emocional de suas frustrações e exaltando as qualidades da obra audiovisual, o que, normalmente resulta numa “reconciliação”; e (2) após algumas poucas semanas “dando um gelo”, conclui-se que a punição alcançou seu objetivo e encaminha-se sua revogação, que, normalmente, implica assistir os episódios perdidos.

Percebam que seja no primeiro caso ou nos dois últimos, o sujeito sempre encontrará uma forma de não se separar da série em definitivo, muitas vezes, renunciando aos resquícios de seu descontentamento, salvo nos casos em que a angústia por ela gerada extrapolar a tolerância individual. Assim, na maior parte das vezes, Game of Thrones é bem sucedida em produzir nos seus espectadores os sentimentos de amor e ódio - uma sensação “agridoce”, como o autor costuma dizer - ambivalência característica dos relacionamentos amorosos, fundando e estreitando laços de modo a tornar difícil a separação.

Ainda podemos falar das abundantes cenas de sexo e de violência explícitas, que nos remetem aos primórdios pré-civilizatórios da raça humana: uma época em que ainda não havia barreiras aos impulsos amorosos ou agressivos e podíamos atuá-los livremente. Esse tempo pode estar distante, mas uma vez que nascemos não civilizados - como vimos no texto sobre a natureza humana - guardamos seus resquícios e com eles travamos batalhas homéricas a todo momento, na tentativa de impedi-los ou encontrar meios substitutivos para que se expressem. Assim, fica mais fácil entendermos como a visualização de cenas tão cruas pode capturar nossa atenção de maneira quase hipnótica, ainda que envolvam um grande mal-estar pela identificação com os personagens-vítima: também nos identificamos, mas inconscientemente, com o agressor em nosso sadismo reprimido, o que faz dessas cenas o meio perfeito para a realização de tais impulsos através da ficção, em substituição a atuá-los no dia a dia. 

Inclusive, na primeira temporada da série, as cenas do personagem Crasler sintetizam perfeitamente a alegoria descrita por Freud em Totem e Tabu (1913), retratando uma horda primitiva na qual um grande pai, a quem tudo era permitido, expulsava os filhos, obrigando-os lutar pela sobrevivência e a formarem suas próprias hordas, enquanto desposava as filhas, que gerariam suas novas esposas e concorrentes exilados. Na série, o destino dos filhos homens é outro, mas na história freudiana eles, um dia, retornam e se unem para matar o pai tirânico, e, ao fazê-lo, cada um deles busca ocupar seu lugar, instaurando, como consequência, a barbárie. A carnificina só encontra um fim quando se percebe que era a lei, representada pelo pai agora morto, que os impedia de matarem uns aos outros e tomarem suas filhas e irmãs. Então, culpados pela morte desse pai admirado/odiado, os filhos e filhas erguem um totem para representá-lo e, assim, sempre lembrarem da importante barreira ao gozo desenfreado, instituindo o tabu do incesto, existente em todas as civilizações humanas. 

Alguns poderiam tentar refutar essa ultima colocação fazendo menção às tribos em que, ainda hoje, a iniciação sexual dos mais jovens se dá pelos mais velhos da mesma família, mas, mesmo nesses casos, o sentido ritual/religioso que rege tal costume remonta a lógica totêmica, posto que serve de lembrete vivo de que aquela prática, fora daquele contexto, é tão condenável que, em algumas culturas, pode até ser punível com a morte. Então, se pudermos dizer que o totem é o marco fundador da civilização, torna-se clara a razão pela qual Crasler era chamado de selvagem na série, mesmo tendo nascido ao sul da muralha; e esse não é, sequer, o caso de incesto mais relevante da trama. Isso posto, se relembrarmos o, já citado, artigo Reflexões em tempos de guerra e morte (1915), temos que “Uma proibição tão poderosa só pode ser dirigida contra um impulso igualmente poderoso. (Freud, 1915, p.306), o que nos leva a entender que há um forte desejo por trás do tabu, fundamento básico da teoria do Complexo de Édipo e outra razão pela qual Game of Thrones atrai nossa atenção tão facilmente. 

Ainda poderíamos falar dos Spoilers - que encontram um grande número de adeptos por tenderem a atenuar os sustos proporcionados pelas reviravoltas da série - da força das personagens femininas - fugindo ao padrão clássico da donzela indefesa e ascendendo ao protagonismo - do idioma dothraki (criado para a série) e das diferentes culturas representadas - que nos fazem sentir como estrangeiros numa terra exótica - além das religiões e histórias de fundo de alta complexidade - que compõem essa aura de plausibilidade dos acontecimentos e auxiliam na suspensão de juízo frente às premissas fantásticas da série. Entretanto, esmiuçar todos esses pontos deixaria o texto ainda maior, então proponho ficarmos por aqui, deixando o seguinte questionamento: o que te faz assistir ou não Game of Thrones, e o que isso revela sobre você?

Referências:

FREUD, S. (1913). Totem e Tabu. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Vol XIII. Rio de Janeiro: Imago, 2006
FREUD, S. (1915) Reflexões em tempos de guerra e morte. In: Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Vol XIV. Rio de Janeiro: Imago, 2006



segunda-feira, 29 de agosto de 2016

Convite à reflexão nº3 - Sujeito ou tecnologia: de quem é a culpa?

Terminada a “trilogia” de textos mais densos, proponho retornarmos à relação entre o ser humano e a tecnologia, pegando carona nos recentes bloqueios judiciais ao “WhatsApp” e na febre internacional do “Pokemon Go” para pensarmos o que, de fato, está em jogo quando culpamos os dispositivos eletrônicos pelos males do modo de vida contemporâneo. 

Começando pelo aplicativo de mensagens instantâneas, procurem se lembrar do quanto nos sentimos prejudicados à ocasião da sentença que ocasionou a breve suspensão do serviço em todo o território nacional. É verdade que com possibilidade de nos comunicarmos sem custo, de forma objetiva e em tempo real, tanto os relacionamentos quanto o mundo do trabalho sofreram importantes transformações, mas, ainda assim, seria de se esperar que voltar a usar mensagens SMS, e-mails, fazer ligações e olhar nos olhos por um prazo inferior à 24 horas não fosse representar um baque tão grande assim. Entretanto, muitos de nós ficaram desorientados, irritados e ansiosos, e acabaram culpando o juiz responsável pelo procedimento legal, ao invés da empresa que descumprira a determinação de colaborar com investigações criminais em andamento. Esses sintomas, característicos da abstinência de substâncias, e essa inversão conveniente de valores nos dizem muito sobre o quanto nos tornamos dependentes desse tipo de tecnologia, tanto que alguns, incapazes de aceitar a privação, investiram seu tempo em tutoriais que ensinavam formas de burlar o bloqueio ou optaram por migrar para concorrentes como o “Telegram” e o “Messenger”.

Alguns até poderiam argumentar que a decisão judicial fora arbitraria, alegando que o aplicativo apenas cumpriu o compromisso de preservar o direito à privacidade de seus clientes, mas se concordarmos com essa linha de pensamento, por uma questão de coerência também teremos de nos posicionar em contrário às quebras dos sigilos bancários e telefônicos de investigados por corrupção e outros casos semelhantes, afinal, também nessas situações a privacidade é posta em cheque. Supondo, portanto, que a privacidade fosse um direito inviolável, teríamos que nos acostumar à investigações ainda mais ineficientes e ineficazes, e a uma impunidade muitas vezes maior do que a de hoje, que já nos gera tanta revolta. Nem mesmo a liberdade de expressão, um dos direitos mais importantes garantidos na constituição de 1988, é absoluta, encontrando barreiras na própria lei quando esta nomeia os crimes de racismo, injúria, assédio moral e tantos outros; o próprio direito à vida pode ser posto de lado ante uma situação de guerra externa e, por muito menos, em países que possuam pena de morte. Feitas tais considerações, podemos concluir que nenhum direito deve ser absoluto quando se vive em sociedade, uma vez que o direito de um, eventualmente, acabará balizado por um dever para com o outro.

Muitos poderiam, também, defender que não há nada de errado em nos adaptarmos às facilidades e demandas da Era da Informação - e não há mesmo - mas devemos sempre estar atentos aos casos em que nos utilizamos da tecnologia para substituir o contato social significativo. Podemos citar, como exemplo, membros de uma família que, dentro de uma mesma casa, se comunicam por meio de mensagens e se isolam em seus computadores pessoais, cada um no seu canto. Podemos falar de jovens que, numa mesma mesa de bar, se refugiam em conversas virtuais, cada qual em seu smartphone, com pessoas ou grupos não-presentes. Também podemos mencionar os casos mais graves onde, diante da oportunidade de resolver tanta coisa ou “encontrar” tantas pessoas sem sair de casa, o sujeito acaba por confinar-se à sua residência, às vezes ao seu quarto. Diante desses cenários, podemos pensar que aplicativos como o “WhatsApp”, ao mesmo tempo que  possibilitam manter contato com quem está longe, nos permitem o isolamento por meio da atenuação da solidão, ou seja, diante da ilusão de estarmos constantemente conectados a inúmeras pessoas, podemos prescindir de todas elas na realidade. Assim, se aceitarmos essa premissa, torna-se mais fácil entender a razão de certas reações ao bloqueio judicial do serviço de mensagens, afinal, na ausência dessa ilusão de conexão, somos obrigados a lidar com a solidão e com o distanciamento que nós mesmos criamos em relação a nossos pares.

Por outro lado, nem sempre a mediação das relações por meio da tecnologia é algo negativo. Vejamos o exemplo do recém lançado “Pokémon Go”, um jogo de realidade aumentada para smartphone onde você precisa caminhar pelas ruas e parques da sua cidade, utilizando o GPS do aparelho para encontrar e capturar os monstrinhos que aparecem, tendo a oportunidade de interagir virtualmente com grafítis e outros marcos da paisagem real para adquirir certos itens necessários ao progresso na campanha. Trata-se de um convite à abandonar o sedentarismo, à conhecer pessoas e a perceber as paisagens que nos cercam, um aplicativo que fora capaz de tirar de casa um menino autista e de fazer as crianças de um hospital infantil caminharem e se exercitarem durante a internação. Contudo, também multiplicam-se as notícias que tratam da conduta perigosa de alguns usuários, causada pela distração ao caminhar ou dirigir com os olhos na tela, ou mesmo de ações arriscadas como a invasão de propriedades privadas e natação em rios com forte correnteza à procura de Pokémons mais raros.

Perceba que seja no “WhatsApp”, no “Pokémon Go” ou em qualquer outro aplicativo ou software, sempre poderemos observar pessoas que utilizam a tecnologia sem prescindir dos relacionamentos e da convivência, sem se expor a riscos e aproveitando as potencialidades dos dispositivos, enquanto outros se valem dos mesmos em prol do isolamento ou de uma exposição exagerada ao perigo. Assim, podemos concluir que há algo, no sujeito, capaz de direcionar esse uso: uma escolha, ainda que inconsciente, apoiada num desejo, nem sempre, conhecido por ele. Em outras palavras, um sujeito pode estar completamente alheio às razões pelas quais se relaciona com a tecnologia de modo disfuncional, mas o simples fato de fazê-lo pode fornecer pistas importantes sobre como ele mesmo ou terceiros - familiares, amigos ou cônjuges - podem ajudá-lo.

Privar um jovem de seu aparelho celular ou de seu computador, por exemplo, embora possam parecer medidas adequadas às circunstâncias, provavelmente só lhe trarão a angústia do isolamento e o ódio contra quem lhe impôs tais privações, afinal, grande parte das relações sociais atualmente acontecem através de mensagens instantâneas e em ambientes virtuais. Por outro lado, se, ao invés da crítica e da punição vier o interesse pela forma como o sujeito se relaciona com a tecnologia, ou seja, uma aproximação por curiosidade e não por estranhamento, poder-se-á criar uma oportunidade de alcançá-lo e fazer com ele um vínculo reforçado capaz de, aos poucos, puxá-lo de seu posicionamento autodestrutivo para um novo, menos danoso. É certo, no entanto, que, muitas vezes, as angústias, mágoas e rancores, de parte a parte, entrarão em cena como elemento crítico, reforçando as resistências e impedindo a aproximação desejada. Nesses casos, é importante que se procure ajuda profissional: alguém que será capaz de posicionar-se num polo neutro e, portanto, de minimizar essas variáveis e manejar os conflitos do sujeito, fornecendo ao paciente os meios internos de promover a própria saúde.

Todavia, tanto o movimento de ajudar quanto o de nos permitir sermos ajudados dependem da compreensão de que o problema está na escolha do indivíduo e não na plataforma virtual, o que pode se provar bastante difícil. Afinal, ao admitirmos que uma parte de nós deseja o isolamento, o desafio à morte através da submissão ao perigo real ou o exercício do controle e da posse sobre os outros, estaremos recebendo um forte golpe contra nosso ideal narcísico ou, ainda, estaremos diante da possibilidade de deixarmos o lugar com o qual estamos familiarizados por um sobre o qual nada sabemos. Além disso, também pode se mostrar complicado o reconhecimento de que nossos entes queridos vivenciam tais questões, posto que isso também implicaria abrirmos mão da imagem idealizada que temos deles. 

Diante da eventual impossibilidade de situarmos o problema no sujeito, nos restará localizar o mal-estar daí proveniente nos dispositivos eletrônicos, um “bode expiatório” capaz de sobreviver aos ataques e recriminações morais e, ao mesmo tempo, incapaz de retrucar ou revidar.

Referências:

Matéria sobre menino autista: 

Hospital Infantil utiliza Pokémon Go para tirar crianças da cama:


quinta-feira, 4 de agosto de 2016

Convite à reflexão nº2.3 - O que o “tabu da morte” revela sobre nós.

“Tem dias que eu fico pensando na vida
E sinceramente não vejo saída.
Como é, por exemplo, que dá pra entender:
A gente mal nasce, começa a morrer.”
(Toquinho e Vinicius de Moraes)

Os versos de Vinícius e Toquinho traduzem com incomparável sutileza a perspectiva freudiana, e de outros antes dele, de que a vida é um momento fugaz que se presta ao retorno à não-vida; já tinha pensado nisso? Freud, mais tarde, usaria esse pensamento como ponto de partida para um dos  principais conceitos de sua teoria: o da pulsão de morte, pelo qual passaremos em outros trabalhos. Neste, no entanto, procurarei concluir nossas considerações sobre a temática que viemos desenvolvendo desde o atentado em Nice, convidando-os a caminhar neste campo do qual sabemos tanto e, ao mesmo tempo, tão pouco. Um conceito que recebe interpretações e contornos desde as primeiras religiões xamânicas, numa tentativa de amenizar a angústia frente à finitude, mas que, ainda hoje, nos espanta por sua implacável concretude. Tratamos-na como a única certeza ante a incógnita da existência, mas, paradoxalmente, nos empenhamos em negá-la até que ela se imponha sobre nós e os que nos são caros; constituímos-na enquanto tabu à medida em que não nos permitimos falar dos mortos, a menos que bem; e usamos e abusamos dela em obras de ficção, onde podemos experienciá-la sem qualquer risco. Estamos falando dos domínios de Hades, Anúbis e de tantas outras divindades que a encarnaram ao longo da trajetória humana: estamos falando da morte. 

Permitam-me iniciar essa exploração através de uma interessante reflexão freudiana no já citado Reflexões em tempos de guerra e morte (1915):

A qualquer um que nos desse ouvidos nos mostrávamos, naturalmente, preparados para sustentar que a morte era o resultado necessário da vida, que cada um deve à natureza uma morte e deve esperar pagar a dívida - em suma, que a morte era natural, inegável e inevitável. Na realidade, contudo, estávamos habituados a nos comportar como se fosse diferente. Revelávamos uma tendência inegável para pôr a morte de lado, para eliminá-la da vida. (…) De fato, é impossível imaginar nossa própria morte e, sempre que tentamos fazê-lo, podemos perceber que ainda estamos presentes como espectadores. Por isso, a escola psicanalítica pôde aventurar-se a afirmar que no fundo ninguém crê na própria morte, ou, dizendo a mesma coisa de outra maneira, que no inconsciente cada um de nós está convencido de sua própria imortalidade”. (Freud, 1915 [2006], vol XIV, p.299)

Essa evidência da assunção inconsciente de que somos imortais nos permite, por sua vez, entender a razão pela qual nos expomos à riscos e buscamos a obtenção de prazer em situações de perigo - saltar de paraquedas, acelerar acima do limite de velocidade, dirigir alcoolizado, comprar briga com desconhecidos, entre muitos outros exemplos - apoiando-nos na prazerosa sensação de onipotência trazida pela ilusão de superação da morte. Por outro lado, grande parte dos avanços tecnológicos da humanidade, como a invenção da pólvora e do avião, não teriam sido possíveis, não fosse pela coragem derivada desse fenômeno, o que faz dele imprescindível para o caminhar da civilização e para a rica experiência humana. Nesse sentido, nós tendemos a relegar os instintos de autoconservação ao segundo plano, permitindo que nossos desejos os superem com uma frequência relativamente elevada, muitas vezes inibindo-os em sua função de proteger a vida enquanto houver vida.

Quando permitimos, contudo, que nossos impulsos de autoconservação predominem, precisamos encontrar outras formas de desafiar a morte e vencer, mecanismo que Freud esclarece na passagem a seguir:

Constitui resultado inevitável de tudo isso que passamos a procurar no mundo da ficção, na literatura e no teatro a compensação pelo que se perdeu na vida. Ali encontraremos pessoas que sabem morrer - que conseguem inclusive matar alguém. Também só ali pode ser preenchida a condição que possibilita nossa reconciliação com a morte: a saber, que por detrás de todas as vicissitudes da vida devemos ainda ser capazes de preservar intacta uma vida, pois é realmente muito triste que tudo na vida deva ser como num jogo de xadrez, onde um movimento em falso pode forçar-nos a desistir dele, com a diferença, porém, de que não podemos começar uma segunda partida, uma revanche. No domínio da ficção, encontramos a pluralidade de vidas de que necessitamos. Morremos como o herói, com o qual nos identificamos; contudo, sobrevivemos a ele e estamos prontos a morrer novamente, desde que com a mesma segurança, com outro herói.” (Freud, 1915 [2006], vol XIV, p.301)

Em outras palavras, além do caráter de compensar aquilo que perdemos ou não podemos ter na realidade, na ficção podemos morrer sem arriscar a vida; morrer de diferentes maneiras e perder “entes queridos” que não são perdidos, ainda que continuem mortos. Podemos assistir novamente um filme, ler um livro pela segunda vez ou reiniciar um jogo eletrônico à partir do último “checkpoint”, neste último caso, podendo até evitar mortes de personagens e reescrever o final da história. A ficção, dessa perspectiva, pode até mesmo atender a nossa demanda por desafiar a morte, aumentando as chances da nossa autoconservação prevalecer sobre o impulso de colocarmos nossas vidas em risco e, com isso, nos prolongá-las. Entretanto, nada é capaz de nos proteger da morte de um ente querido na realidade.

Quem já passou pela terrível experiência de perder alguém próximo conhece bem a angústia frente ao vazio por este deixado - um buraco de difícil reparação, ocasionado pela “perda de uma parte de si, identificada com o outro” - bem como as sensações de frustração e arrependimento pelo tempo que não passaram juntos ou por algo que deveria (ou não) ter sido dito. Em alguns casos, inclusive, até nos culpamos pela morte de alguém a quem não matamos, como se nos coubesse a atribuição divina de poupar sua vida e tivéssemos poder para tal. Evidencia-se, portanto, a força da nossa ilusão de onipotência: nos atribuímos, com frequência, poderes maiores do que aqueles que de fato possuímos e isso, inevitavelmente, fará com que experienciar a morte nos inflija uma dolorosa ferida narcísica, posto que somos, por ela, forçados a enxergar nossa fragilidade e impotência diante dos fatos, bem como lembrados de nossa própria mortalidade, que teimamos em negar. É evidente que o choque parece menor quando se tem algum tempo de preparação, como quando cuidamos de alguém em estado terminal e já esperamos por seu falecimento, mas, provavelmente, isso se deve mais ao início precoce do processo de luto, do que a uma amenização das desilusões ou das angústias. 

Nesse momento em que se revela nossa fragilidade, também se pode observar uma tentativa desesperada de  esconder nossa ambivalência afetiva em relação a quem se foi. “De mortuis nil nisi bonum” (‘Não faleis senão bem dos mortos’) - diz a máxima latina, e não por acaso: em todo sentimento há duas faces opostas, como numa moeda. No amor, por exemplo, há ódio, o que fica fácil de observarmos  em uma briga entre amigos próximos ou entre integrantes de um casal ou de uma família; ódio esse que pode assumir, inconscientemente, a forma de um desejo de morte e, portanto, acentua o sentimento de culpa em relação ao falecimento do ente querido, como se nós tivéssemos tido alguma participação (ainda que exclusivamente subjetiva) nele, razão pela qual só conseguimos ressaltar suas qualidades à partir de então. Esse fenômeno é exposto por Freud através da leitura conjunta dos seguintes fragmentos:

(1)“Esses seres amados constituem, por um lado, uma posse interna, componentes de nosso próprio ego; por outro, contudo, são parcialmente estranhos, até mesmo inimigos. À exceção de apenas pouquíssimas situações, adere à mais terna e à mais íntima de nossas relações amorosas uma pequena parcela de hostilidade que pode excitar um desejo de morte inconsciente.” (Freud, 1915 [2006], vol XIV, p.309)

(2)“Para com a pessoa que morreu, adotamos uma atitude especial - algo próximo da admiração por alguém que realizou uma tarefa muito difícil. Deixamos de criticá-la, negligenciamos suas possíveis más ações, declaramos que ‘de mortuis nil nisi bonum’, e julgamos justificável realçar tudo o que seja de mais favorável à sua lembrança na oração fúnebre e sobre a lápide tumular. A consideração pelos mortos, que, afinal de contas, não mais necessitam dela, é mais importante para nós do que a verdade, e certamente, para a maioria de nós, do que a consideração pelos vivos.” (Freud, 1915 [2006], vol XIV, p.300) 

Assim, se aceitarmos esses pressupostos, poderemos concluir que o tabu da morte denuncia a nossa própria dificuldade em percebermos e aceitarmos a dimensão de nossos próprios sentimentos hostis - assunto pelo qual passamos brevemente no último texto, quando falamos da natureza humana - endereçados a quem amamos, a nossa cegueira frente ao mecanismo psíquico que os transforma em um sentimento (inconsciente) de culpa, expresso nos belos epitáfios que desconsideram os malfeitos do morto, além dos nossos percalços frente ao aflitivo processo de renunciarmos ao nosso ideal narcísico de onipotência, como sugere Freud. 

Ainda haveria muitos pontos interessantes a explorar, mas isso deixaria esse texto, que já está grande, ainda maior. Então, para que possamos fechar nosso tema, ainda que venhamos a retomá-lo mais à frente, proponho uma última reflexão: Partindo do reconhecimento de que possuímos sentimentos ambivalentes para com nossos entes queridos, tentemos identificar também suas faces hostis em relação a eles; essa pode ser uma maneira de fazer as reparações necessárias em vida e, assim, atenuar os grandes arrependimentos à ocasião da morte. 

Referência:

FREUD, S. (1915) Reflexões em tempos de guerra e morte. In: Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Vol XIV. Rio de Janeiro: Imago, 2006



sexta-feira, 29 de julho de 2016

Convite à reflexão nº2.2 - A natureza humana para além do bem e do mal.

Continuando nossa reflexão a respeito da guerra e da morte, proponho que agora passemos ao tópico da “natureza humana”, alvo de muitas obras filosóficas e artísticas ao longo da história e, como não podia deixar de ser, da Psicanálise. Mas antes de entrarmos nas contribuições freudianas precisamos falar sobre linha de pensamento rousseauniana, uma vez que seu posicionamento tem sido bastante aproveitado em discursos ideológicos ultimamente, o que nos permitirá fazer a ligação entre este texto, o anterior e a realidade que nos cerca.  

Resumidamente, Rousseau (1712 - 1772), um dos principais nomes do Iluminismo e precursor do Romantismo, acreditava que o ser humano nascia bom e acabava sendo corrompido pela sociedade na qual se inseria, uma ideia que ainda pode parecer sedutora, posto que não abrimos mão das crianças enquanto ideal de pureza e, tampouco, ignoramos o sadismo de que são capazes os adultos. Assim, se tratarmos tal premissa como verdadeira, chegaremos à conclusão de que aquilo que se coloca entre a criança e o adulto - o ambiente em que o sujeito cresce e se desenvolve, os eventos que presencia, a qualidade da educação que recebe e as privações a que é submetido - deve ser o que determina a transformação do puro em impuro. Trata-se de uma corrente de pensamento que atribui ao ambiente uma importância decisiva sobre a constituição do sujeito, e que, se não questionarmos seus pressupostos, pode parecer bastante adequada para interpretar os acontecimentos à nossa volta. 

Um exemplo disso é o argumento de que os “bandidos só se tornam bandidos por causa das privações e da falta de oportunidades ao longo da vida”, algo que nos acostumamos a ouvir e a reproduzir com relativa tranquilidade. Observe como está implícita a ideia de uma sociedade que molda negativamente um indivíduo naturalmente bom, exceto, é claro, pela diferença marcante de que a crítica só contempla como “afetados” (ou bandidos) uma pequena parcela da população, e não sua totalidade como sugeria Rousseau. 

Essa “adoção com ressalvas” do pensamento rousseauniano, por sua vez, parece denunciar o quão difícil é, para o Homem contemporâneo, reconhecer seus próprios impulsos destrutivos, ainda que consiga apontá-los facilmente em seus pares. Aliás, se tomarmos como referência a teoria freudiana, poderemos dizer que nos comportamos dessa maneira desde o princípio da civilização, já que as restrições ao desejo por ela impostas, depois de internalizadas pelo sujeito, trazem consigo verdadeiro horror à “parte feia” de nós mesmos, ou seja, aos desejos censurados por nosso código moral particular. Nesse sentido, e procurando desvendar o enigma inicial deste parágrafo, identificar no outro suas “partes feias”, aquelas que vão de encontro aos nossos valores internalizados, nos permite tanto preservar nosso ideal narcísico quanto atacar e destruir, externamente, aquilo que não suportamos em nós mesmos. E assim, surgem frases como “bandido bom é bandido morto!” e “Que pouca vergonha!”, entre muitas outras.

Com isso em mente, examinemos agora o seguinte fragmento escrito por Freud no artigo, já citado, Reflexões em tempos de guerra e morte (1915):

Sem dúvida, as almas piedosas, que gostariam de crer que nossa natureza está distanciada de qualquer contato com o que é mau e degradante, não deixarão de utilizar o aparecimento e a premência iniciais da proibição contra o assassinato como base para conclusões gratificantes quanto à força dos impulsos éticos que devem ter sido implantados em nós. Infelizmente, esse argumento fortalece ainda mais o ponto de vista oposto. Uma proibição tão poderosa só pode ser dirigida contra um impulso igualmente poderoso. O que nenhuma alma humana deseja não precisa de proibição; é excluído automaticamente. A própria ênfase dada ao mandamento ‘Não matarás’ nos assegura que brotamos de uma série interminável de gerações de assassinos, que tinham a sede de matar em seu sangue, como, talvez, nós próprios tenhamos hoje. Os esforços éticos da humanidade, cuja força e significância não precisamos absolutamente depreciar, foram adquiridos no curso da história do homem; desde então se tornaram, embora infelizmente apenas em grau variável, o patrimônio herdado pelos homens contemporâneos.” (Freud, 1915 [2006], vol XIV, p.306)

Nota-se, portanto, que Freud propõe um conceito de “natureza humana” bem diferente do descrito por Rousseau: enquanto o sujeito freudiano tenta, com todas as forças, dar conta de um conflito entre seus impulsos e a repressão interna a eles, o nobre índio Peri, na obra O guarani de José de Alencar, encarna perfeitamente o “mito do bom selvagem”, tendo crescido puro pela ausência de uma sociedade que o corrompesse. Temos, então, um homem originalmente movido por seus instintos, que recebe da civilização os meios para tentar resisti-los ou adaptá-los à cultura, em oposição ao homem essencialmente bom, que pode ser corrompido por essa mesma entidade. Se pretendemos nos posicionar entre esses dois referenciais tão distintos e bem construídos, precisaremos recorrer aos “Tarzans” e “Moglis” da vida real, os meninos e meninas que cresceram longe do convívio humano e, portanto, não sofreram nenhuma interferência social.

São notórias as pesquisas que acompanharam tentativas de reintroduzir os “meninos-lobo” na sociedade, ao longo dos séculos XIX e XX, e as viram falhar. Elas relatam que as crianças andavam de quatro, emitiam grunhidos, cheiravam tudo que não lhes era familiar, tinham muita dificuldade em aprender a linguagem e as normas de convívio, e foram incapazes de assimilar a humanidade que se esperava deles, vindo a morrer algum tempo depois de sua “adoção”. Se tratarmos a pureza rousseauniana como uma não propensão ao mal, tais evidências até poderiam sugerir seu caráter inato, mas se a interpretarmos como uma inclinação natural ao bem, já não poderemos chegar à mesma conclusão. Os instintos não são, necessariamente, bons ou maus, mas no momento em que lhes atribuímos esse juízo, já estaríamos expressando nossos valores, que, por sua vez, são um “patrimônio herdado” através da civilização e da cultura, como sugere Freud.

Se pudermos aceitar essa nova premissa, concordaremos que até mesmo Peri devia sua humanidade à sociedade indígena da qual fazia parte, e como consequência, teria que arcar com o ônus de tentar refrear ou transformar os instintos e impulsos com ela incompatíveis, ainda que a repressão sobre ele fosse diferente da encontrada pelo médico austríaco, no início do século XX. Resumidamente, esse conflito (inconsciente), vivenciado por todos que internalizam as restrições sociais aos desejos, é, segundo Freud, responsável pela produção dos sintomas neuróticos, ou seja, pela expressão censurada de um impulso que não pode se realizar de forma direta. 

Futuramente, sem qualquer prejuízo, poderemos discutir mais a fundo a neurótica freudiana, mas proponho que agora, para concluirmos este texto, nos façamos algumas perguntas visando uma última reflexão: onde nos situamos frente ao mal-estar de viver em sociedade? De que maneira nos sentimos afetados pelas renúncias e concessões que precisamos fazer? Que características não suportamos ver nos outros e o que elas dizem a nosso respeito? Quais são as nossas neuroses e que conflitos lhes serviram de origem?

As respostas podem se mostrar extremamente difíceis de encontrar, inconclusivas ou até se desdobrarem em outras perguntas para novas investigações, mas o esforço íntimo de procurar por elas pode nos levar a um novo grau de autoconhecimento, nos permitindo ver, de uma nova perspectiva, a nós mesmos e aos outros. 

Continua…


Referências:



FREUD, S. (1915) Reflexões em tempos de guerra e morte. In: Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Vol XIV. Rio de Janeiro: Imago, 2006

segunda-feira, 18 de julho de 2016

Convite à Reflexão nº2.1 - O Terrorismo Nosso de Cada Dia

É com bastante tristeza, e um relativo senso de necessidade, que eu trago a vocês, como segundo convite à reflexão, o tema da guerra e da morte em vista dos ataques terroristas ocorridos na Europa e nos EUA nos últimos anos, dos conflitos no Oriente Médio, como os da Síria e do Iraque, e do aumento expressivo do número de crimes violentos no Brasil. Quero esclarecer, no entanto, que não é a minha intenção trazer uma perspectiva histórico-geopolítica dos fatos, debater políticas públicas ou advogar em favor de militâncias, mas propor um enfoque psicológico-autocrítico sobre o assunto. Sejam bem-vindos à primeira parte dessa minha exploração!

Sigmund Freud (1856 - 1939), pai da Psicanálise, vivenciou de perto os horrores da primeira Guerra Mundial (1914), na qual perdeu entes queridos e amigos próximos, e os anos que precederam a segunda (1939), quando se viu forçado a deixar Viena para buscar abrigo em Londres como forma de fugir da perseguição nazista em razão de sua origem judaica. Veio a falecer algum tempo depois, na cidade que o acolheu, vítima de um agressivo câncer no palato*, semanas depois da invasão da Polônia pela Alemanha de Hitler, tendo fundado a IPA (International Psychoanalytical Association) e deixado uma vasta obra com grande relevância até os dias atuais. 

Esse breve resumo nos permite supor, com alguma segurança, que teria sido quase impossível que eventos tão significativos não houvessem impactado sua obra de alguma maneira, e, talvez, a prova mais clara disso seja o artigo, publicado no ano seguinte ao do início da Primeira Guerra, denominado Reflexões para os tempos de guerra e morte (1915). Nele, Freud procura nos deixar suas habituais contribuições psicanalíticas, mas vai além e nos oferece acesso ao importante e denso sentimento de “desilusão”, vivenciado por ele ao ver ruir, com o desenrolar do conflito, a ilusão de segurança por integrar uma nação civilizada em meio a outras de valores semelhantes. E é aqui que pretendo fixar o ponto de partida para essa primeira proposta de reflexão sobre o assunto. 

Nas palavras do autor:

“Dentro de cada uma dessas nações, elevadas normas de conduta moral foram formuladas para o indivíduo, às quais sua maneira de vida devia conformar-se, se ele desejasse participar de uma comunidade civilizada. Esses ditames, não raro demasiado rigorosos, exigiam muito dele - uma grande dose de autodomínio, de renúncia à satisfação dos instintos. (…) Devia-se supor, portanto, que o próprio Estado os respeitaria e não pensaria em empreender contra eles qualquer coisa que viesse a contradizer a base de sua própria existência. (…) Poder-se-ia supor, porém, que as próprias grandes nações adquiriam tanta compreensão do que possuíam em comum, e tanta tolerância quanto a suas divergências, que ‘estrangeiro’ e ‘inimigo’ já não podiam fundir-se tal como na Antiguidade clássica, num conceito único.” (Freud, 1915 [2006], vol XIV, p.286)

Olhando por esse ângulo, até poderíamos pensar que mesmo ocorrendo uma disputa bélica, ambas as partes procurariam preservar tudo aquilo que não faz parte da engrenagem de guerra, como os não-combatentes e construções não militares. Contudo, não foi isso que Freud constatou na época, da mesma forma que não é o que constatamos hoje diante dos recentes atos de terrorismo e das táticas de guerrilha adotadas nas guerras modernas. Ele sintetiza essa experiência nas seguintes palavras: 

“Então, a guerra na qual nos recusávamos a acreditar irrompeu, e trouxe a desilusão. Não é apenas mais sanguinária e mais destrutiva do que qualquer guerra de outras eras, devido à perfeição enormemente aumentada das armas de ataque e defesa; é, pelo menos, tão cruel, tão encarniçada, tão implacável quanto qualquer outra que a tenha precedido. Despreza todas as restrições conhecidas como o direito internacional, que na época de paz os Estados se comprometeram a observar; ignora as prerrogativas dos feridos e do serviço médico, a distinção entre os setores civil e militar da população, os direitos da propriedade privada. Esmaga com fúria cega tudo que surge em seu caminho, como se, após seu término, não mais fosse importante haver nem futuro nem paz entre os homens. Corta todos os laços comuns entre os povos contendores, e ameaça deixar um legado de exacerbação que tornará impossível, durante muito tempo, qualquer renovação desses laços.” (Freud, 1915 [2006], vol XIV, p.288)

Trazendo a problemática desse trecho para os dias atuais, nota-se fenômenos semelhantes: as armas são drones não-tripulados, mísseis teleguiados, tiros anti-blindagem e bombas presas ao corpo; os civis tornam-se escudos e alvos de grupos que encontram, nessas táticas sórdidas, a única maneira de enfrentar as superpotências globais, que por sua vez, admitem frequentemente não-combatentes entre as baixas aceitáveis. Os laços se desgastam mais e mais, segregando o “mundo islâmico” do “mundo Judaico-Cristão”, acirrando a xenofobia e a islamofobia entre os habitantes do ocidente, com consequências de difícil reparação, talvez até impossível. 

Mas e aqui, no quintal de casa? O Brasil não participa, atualmente, de nenhuma guerra externa, mas certamente ostenta números dignos de uma. Segundo dados coletados pelo Fórum Brasileiro de Segurança pública e noticiados no portal de notícias G1, em 2014 registramos mais de 58.000 mortes violentas, valor comparável com o de civis mortos no conflito na Síria, informado no site da BBC Brasil. Se nos permitirmos interpretar esses números à luz do texto freudiano, guardadas as devidas proporções em relação ao terrorismo, podemos fazer algumas aproximações coerentes e importantes para melhor avaliarmos o lugar que ocupamos neste cenário. Podemos dizer que entre as armas estão os fuzis, camburões, bombas de gás e caveirões; a tática dos bandidos, com a qual eles mantêm suas áreas de influência frente ao Estado, é a intimidação dos moradores das áreas mais pobres, procurando torná-los cúmplices-reféns de suas atividades, escudos humanos contra uma polícia que, depois de tantos anos de incursões em comunidades, tende a enxergá-los como baixas aceitáveis. Essa pode ser a causa e, ao mesmo tempo, a consequência de uma ruptura dos laços sociais que nos manteriam unidos enquanto povo, tornando, cada vez mais difícil para os “moradores do asfalto”, enxergar com humanidade e acolherem os “refugiados da periferia”, dando origem, talvez, a uma “xenofobia de classes”.

Vendo por esse ângulo e levando em consideração os pontos expostos por Freud em 1915, podemos, verdadeiramente, nos questionar se não vivemos, hoje no Brasil, uma guerra não declarada, velada, onde nossa sensação de segurança sofre constantes atentados dando lugar à desilusão. Se não somos, diante dela, baixas aceitáveis ou até prováveis (no caso do morador da favela). Se não fazemos parte dela enquanto um pequeno dente da engrenagem perversa que a move por meio de uma eventual conivência, revolta seletiva, discursos generalizadores e de ódio, independente da vertente política. 

Diante desse panorama, a única certeza que podemos ter é a de que se trata de uma trama complexa para a qual não existe solução mágica.

Continua…


      * O palato é o “céu da boca”, ele separa a cavidade oral da cavidade nasal.
     


Referências:

FREUD, S. (1915) Reflexões em tempos de guerra e morte. In: Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Vol XIV. Rio de Janeiro: Imago, 2006