sexta-feira, 29 de julho de 2016

Convite à reflexão nº2.2 - A natureza humana para além do bem e do mal.

Continuando nossa reflexão a respeito da guerra e da morte, proponho que agora passemos ao tópico da “natureza humana”, alvo de muitas obras filosóficas e artísticas ao longo da história e, como não podia deixar de ser, da Psicanálise. Mas antes de entrarmos nas contribuições freudianas precisamos falar sobre linha de pensamento rousseauniana, uma vez que seu posicionamento tem sido bastante aproveitado em discursos ideológicos ultimamente, o que nos permitirá fazer a ligação entre este texto, o anterior e a realidade que nos cerca.  

Resumidamente, Rousseau (1712 - 1772), um dos principais nomes do Iluminismo e precursor do Romantismo, acreditava que o ser humano nascia bom e acabava sendo corrompido pela sociedade na qual se inseria, uma ideia que ainda pode parecer sedutora, posto que não abrimos mão das crianças enquanto ideal de pureza e, tampouco, ignoramos o sadismo de que são capazes os adultos. Assim, se tratarmos tal premissa como verdadeira, chegaremos à conclusão de que aquilo que se coloca entre a criança e o adulto - o ambiente em que o sujeito cresce e se desenvolve, os eventos que presencia, a qualidade da educação que recebe e as privações a que é submetido - deve ser o que determina a transformação do puro em impuro. Trata-se de uma corrente de pensamento que atribui ao ambiente uma importância decisiva sobre a constituição do sujeito, e que, se não questionarmos seus pressupostos, pode parecer bastante adequada para interpretar os acontecimentos à nossa volta. 

Um exemplo disso é o argumento de que os “bandidos só se tornam bandidos por causa das privações e da falta de oportunidades ao longo da vida”, algo que nos acostumamos a ouvir e a reproduzir com relativa tranquilidade. Observe como está implícita a ideia de uma sociedade que molda negativamente um indivíduo naturalmente bom, exceto, é claro, pela diferença marcante de que a crítica só contempla como “afetados” (ou bandidos) uma pequena parcela da população, e não sua totalidade como sugeria Rousseau. 

Essa “adoção com ressalvas” do pensamento rousseauniano, por sua vez, parece denunciar o quão difícil é, para o Homem contemporâneo, reconhecer seus próprios impulsos destrutivos, ainda que consiga apontá-los facilmente em seus pares. Aliás, se tomarmos como referência a teoria freudiana, poderemos dizer que nos comportamos dessa maneira desde o princípio da civilização, já que as restrições ao desejo por ela impostas, depois de internalizadas pelo sujeito, trazem consigo verdadeiro horror à “parte feia” de nós mesmos, ou seja, aos desejos censurados por nosso código moral particular. Nesse sentido, e procurando desvendar o enigma inicial deste parágrafo, identificar no outro suas “partes feias”, aquelas que vão de encontro aos nossos valores internalizados, nos permite tanto preservar nosso ideal narcísico quanto atacar e destruir, externamente, aquilo que não suportamos em nós mesmos. E assim, surgem frases como “bandido bom é bandido morto!” e “Que pouca vergonha!”, entre muitas outras.

Com isso em mente, examinemos agora o seguinte fragmento escrito por Freud no artigo, já citado, Reflexões em tempos de guerra e morte (1915):

Sem dúvida, as almas piedosas, que gostariam de crer que nossa natureza está distanciada de qualquer contato com o que é mau e degradante, não deixarão de utilizar o aparecimento e a premência iniciais da proibição contra o assassinato como base para conclusões gratificantes quanto à força dos impulsos éticos que devem ter sido implantados em nós. Infelizmente, esse argumento fortalece ainda mais o ponto de vista oposto. Uma proibição tão poderosa só pode ser dirigida contra um impulso igualmente poderoso. O que nenhuma alma humana deseja não precisa de proibição; é excluído automaticamente. A própria ênfase dada ao mandamento ‘Não matarás’ nos assegura que brotamos de uma série interminável de gerações de assassinos, que tinham a sede de matar em seu sangue, como, talvez, nós próprios tenhamos hoje. Os esforços éticos da humanidade, cuja força e significância não precisamos absolutamente depreciar, foram adquiridos no curso da história do homem; desde então se tornaram, embora infelizmente apenas em grau variável, o patrimônio herdado pelos homens contemporâneos.” (Freud, 1915 [2006], vol XIV, p.306)

Nota-se, portanto, que Freud propõe um conceito de “natureza humana” bem diferente do descrito por Rousseau: enquanto o sujeito freudiano tenta, com todas as forças, dar conta de um conflito entre seus impulsos e a repressão interna a eles, o nobre índio Peri, na obra O guarani de José de Alencar, encarna perfeitamente o “mito do bom selvagem”, tendo crescido puro pela ausência de uma sociedade que o corrompesse. Temos, então, um homem originalmente movido por seus instintos, que recebe da civilização os meios para tentar resisti-los ou adaptá-los à cultura, em oposição ao homem essencialmente bom, que pode ser corrompido por essa mesma entidade. Se pretendemos nos posicionar entre esses dois referenciais tão distintos e bem construídos, precisaremos recorrer aos “Tarzans” e “Moglis” da vida real, os meninos e meninas que cresceram longe do convívio humano e, portanto, não sofreram nenhuma interferência social.

São notórias as pesquisas que acompanharam tentativas de reintroduzir os “meninos-lobo” na sociedade, ao longo dos séculos XIX e XX, e as viram falhar. Elas relatam que as crianças andavam de quatro, emitiam grunhidos, cheiravam tudo que não lhes era familiar, tinham muita dificuldade em aprender a linguagem e as normas de convívio, e foram incapazes de assimilar a humanidade que se esperava deles, vindo a morrer algum tempo depois de sua “adoção”. Se tratarmos a pureza rousseauniana como uma não propensão ao mal, tais evidências até poderiam sugerir seu caráter inato, mas se a interpretarmos como uma inclinação natural ao bem, já não poderemos chegar à mesma conclusão. Os instintos não são, necessariamente, bons ou maus, mas no momento em que lhes atribuímos esse juízo, já estaríamos expressando nossos valores, que, por sua vez, são um “patrimônio herdado” através da civilização e da cultura, como sugere Freud.

Se pudermos aceitar essa nova premissa, concordaremos que até mesmo Peri devia sua humanidade à sociedade indígena da qual fazia parte, e como consequência, teria que arcar com o ônus de tentar refrear ou transformar os instintos e impulsos com ela incompatíveis, ainda que a repressão sobre ele fosse diferente da encontrada pelo médico austríaco, no início do século XX. Resumidamente, esse conflito (inconsciente), vivenciado por todos que internalizam as restrições sociais aos desejos, é, segundo Freud, responsável pela produção dos sintomas neuróticos, ou seja, pela expressão censurada de um impulso que não pode se realizar de forma direta. 

Futuramente, sem qualquer prejuízo, poderemos discutir mais a fundo a neurótica freudiana, mas proponho que agora, para concluirmos este texto, nos façamos algumas perguntas visando uma última reflexão: onde nos situamos frente ao mal-estar de viver em sociedade? De que maneira nos sentimos afetados pelas renúncias e concessões que precisamos fazer? Que características não suportamos ver nos outros e o que elas dizem a nosso respeito? Quais são as nossas neuroses e que conflitos lhes serviram de origem?

As respostas podem se mostrar extremamente difíceis de encontrar, inconclusivas ou até se desdobrarem em outras perguntas para novas investigações, mas o esforço íntimo de procurar por elas pode nos levar a um novo grau de autoconhecimento, nos permitindo ver, de uma nova perspectiva, a nós mesmos e aos outros. 

Continua…


Referências:



FREUD, S. (1915) Reflexões em tempos de guerra e morte. In: Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Vol XIV. Rio de Janeiro: Imago, 2006

segunda-feira, 18 de julho de 2016

Convite à Reflexão nº2.1 - O Terrorismo Nosso de Cada Dia

É com bastante tristeza, e um relativo senso de necessidade, que eu trago a vocês, como segundo convite à reflexão, o tema da guerra e da morte em vista dos ataques terroristas ocorridos na Europa e nos EUA nos últimos anos, dos conflitos no Oriente Médio, como os da Síria e do Iraque, e do aumento expressivo do número de crimes violentos no Brasil. Quero esclarecer, no entanto, que não é a minha intenção trazer uma perspectiva histórico-geopolítica dos fatos, debater políticas públicas ou advogar em favor de militâncias, mas propor um enfoque psicológico-autocrítico sobre o assunto. Sejam bem-vindos à primeira parte dessa minha exploração!

Sigmund Freud (1856 - 1939), pai da Psicanálise, vivenciou de perto os horrores da primeira Guerra Mundial (1914), na qual perdeu entes queridos e amigos próximos, e os anos que precederam a segunda (1939), quando se viu forçado a deixar Viena para buscar abrigo em Londres como forma de fugir da perseguição nazista em razão de sua origem judaica. Veio a falecer algum tempo depois, na cidade que o acolheu, vítima de um agressivo câncer no palato*, semanas depois da invasão da Polônia pela Alemanha de Hitler, tendo fundado a IPA (International Psychoanalytical Association) e deixado uma vasta obra com grande relevância até os dias atuais. 

Esse breve resumo nos permite supor, com alguma segurança, que teria sido quase impossível que eventos tão significativos não houvessem impactado sua obra de alguma maneira, e, talvez, a prova mais clara disso seja o artigo, publicado no ano seguinte ao do início da Primeira Guerra, denominado Reflexões para os tempos de guerra e morte (1915). Nele, Freud procura nos deixar suas habituais contribuições psicanalíticas, mas vai além e nos oferece acesso ao importante e denso sentimento de “desilusão”, vivenciado por ele ao ver ruir, com o desenrolar do conflito, a ilusão de segurança por integrar uma nação civilizada em meio a outras de valores semelhantes. E é aqui que pretendo fixar o ponto de partida para essa primeira proposta de reflexão sobre o assunto. 

Nas palavras do autor:

“Dentro de cada uma dessas nações, elevadas normas de conduta moral foram formuladas para o indivíduo, às quais sua maneira de vida devia conformar-se, se ele desejasse participar de uma comunidade civilizada. Esses ditames, não raro demasiado rigorosos, exigiam muito dele - uma grande dose de autodomínio, de renúncia à satisfação dos instintos. (…) Devia-se supor, portanto, que o próprio Estado os respeitaria e não pensaria em empreender contra eles qualquer coisa que viesse a contradizer a base de sua própria existência. (…) Poder-se-ia supor, porém, que as próprias grandes nações adquiriam tanta compreensão do que possuíam em comum, e tanta tolerância quanto a suas divergências, que ‘estrangeiro’ e ‘inimigo’ já não podiam fundir-se tal como na Antiguidade clássica, num conceito único.” (Freud, 1915 [2006], vol XIV, p.286)

Olhando por esse ângulo, até poderíamos pensar que mesmo ocorrendo uma disputa bélica, ambas as partes procurariam preservar tudo aquilo que não faz parte da engrenagem de guerra, como os não-combatentes e construções não militares. Contudo, não foi isso que Freud constatou na época, da mesma forma que não é o que constatamos hoje diante dos recentes atos de terrorismo e das táticas de guerrilha adotadas nas guerras modernas. Ele sintetiza essa experiência nas seguintes palavras: 

“Então, a guerra na qual nos recusávamos a acreditar irrompeu, e trouxe a desilusão. Não é apenas mais sanguinária e mais destrutiva do que qualquer guerra de outras eras, devido à perfeição enormemente aumentada das armas de ataque e defesa; é, pelo menos, tão cruel, tão encarniçada, tão implacável quanto qualquer outra que a tenha precedido. Despreza todas as restrições conhecidas como o direito internacional, que na época de paz os Estados se comprometeram a observar; ignora as prerrogativas dos feridos e do serviço médico, a distinção entre os setores civil e militar da população, os direitos da propriedade privada. Esmaga com fúria cega tudo que surge em seu caminho, como se, após seu término, não mais fosse importante haver nem futuro nem paz entre os homens. Corta todos os laços comuns entre os povos contendores, e ameaça deixar um legado de exacerbação que tornará impossível, durante muito tempo, qualquer renovação desses laços.” (Freud, 1915 [2006], vol XIV, p.288)

Trazendo a problemática desse trecho para os dias atuais, nota-se fenômenos semelhantes: as armas são drones não-tripulados, mísseis teleguiados, tiros anti-blindagem e bombas presas ao corpo; os civis tornam-se escudos e alvos de grupos que encontram, nessas táticas sórdidas, a única maneira de enfrentar as superpotências globais, que por sua vez, admitem frequentemente não-combatentes entre as baixas aceitáveis. Os laços se desgastam mais e mais, segregando o “mundo islâmico” do “mundo Judaico-Cristão”, acirrando a xenofobia e a islamofobia entre os habitantes do ocidente, com consequências de difícil reparação, talvez até impossível. 

Mas e aqui, no quintal de casa? O Brasil não participa, atualmente, de nenhuma guerra externa, mas certamente ostenta números dignos de uma. Segundo dados coletados pelo Fórum Brasileiro de Segurança pública e noticiados no portal de notícias G1, em 2014 registramos mais de 58.000 mortes violentas, valor comparável com o de civis mortos no conflito na Síria, informado no site da BBC Brasil. Se nos permitirmos interpretar esses números à luz do texto freudiano, guardadas as devidas proporções em relação ao terrorismo, podemos fazer algumas aproximações coerentes e importantes para melhor avaliarmos o lugar que ocupamos neste cenário. Podemos dizer que entre as armas estão os fuzis, camburões, bombas de gás e caveirões; a tática dos bandidos, com a qual eles mantêm suas áreas de influência frente ao Estado, é a intimidação dos moradores das áreas mais pobres, procurando torná-los cúmplices-reféns de suas atividades, escudos humanos contra uma polícia que, depois de tantos anos de incursões em comunidades, tende a enxergá-los como baixas aceitáveis. Essa pode ser a causa e, ao mesmo tempo, a consequência de uma ruptura dos laços sociais que nos manteriam unidos enquanto povo, tornando, cada vez mais difícil para os “moradores do asfalto”, enxergar com humanidade e acolherem os “refugiados da periferia”, dando origem, talvez, a uma “xenofobia de classes”.

Vendo por esse ângulo e levando em consideração os pontos expostos por Freud em 1915, podemos, verdadeiramente, nos questionar se não vivemos, hoje no Brasil, uma guerra não declarada, velada, onde nossa sensação de segurança sofre constantes atentados dando lugar à desilusão. Se não somos, diante dela, baixas aceitáveis ou até prováveis (no caso do morador da favela). Se não fazemos parte dela enquanto um pequeno dente da engrenagem perversa que a move por meio de uma eventual conivência, revolta seletiva, discursos generalizadores e de ódio, independente da vertente política. 

Diante desse panorama, a única certeza que podemos ter é a de que se trata de uma trama complexa para a qual não existe solução mágica.

Continua…


      * O palato é o “céu da boca”, ele separa a cavidade oral da cavidade nasal.
     


Referências:

FREUD, S. (1915) Reflexões em tempos de guerra e morte. In: Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Vol XIV. Rio de Janeiro: Imago, 2006



quarta-feira, 13 de julho de 2016

Convite à reflexão nº1 - Os Julgamentos Apressados na Era do “Whats”.

Um dia desses eu estava lendo um livro, sugerido como parte da bibliografia de um curso de especialização ao qual venho me dedicando, e me deparei com uma passagem interessante: consiste da narração de três situações, aparentemente muito diferentes umas das outras, mas que convergem para um ponto sobre o qual quero propor uma reflexão.

Situação 1) A população de raposas de uma certa área do Canadá costuma aumentar (ao ápice) e diminuir, até quase a extinção, num período de 4 anos, quando volta a crescer. “Se a atenção do biólogo se limitasse às raposas, esses ciclos permaneceriam inexplicáveis, pois nada existe na natureza da raposa ou de toda a espécie que justifique tais mudanças. Contudo, quando se leva em conta que as raposas vivem quase exclusivamente da caça ao coelho selvagem e que estes coelhos não tem, praticamente, outro inimigo natural, essa relação entre as duas espécies fornece uma explicação satisfatória para um fenômeno que, caso contrário, seria misterioso” (Watzlawick,1973. p.17). Verifica-se que os coelhos selvagens possuiriam um ciclo idêntico ao das raposas, não fosse pela inversão entre o ápice e o vale do número de indivíduos, ou seja, quando a população de raposas está no ápice, a de coelhos beira a extinção e vice versa. Tal fenômeno, agora observado de forma ampla, permite perceber que um grande número de raposas (predadores) leva a uma diminuição proporcional no número de coelhos (presas), caçados por elas; com poucas presas, muitos predadores morrem de fome e sua população começa a minguar, favorecendo um novo crescimento da população de coelhos. É claro que, para os fins dessa demonstração, não estamos levando em conta as interferências da ação do Homem ou fenômenos climáticos.

Situação 2) “Um homem desmaia e é levado ao hospital. O médico que o examina observa o estado de inconsciência, a pressão sanguínea extremamente baixa e o quadro clínico de aguda intoxicação por álcool ou droga. Contudo, as análises não revelam vestígio algum de tais substâncias” (Watzlawick,1973. p.17). Teríamos aqui um novo mistério, não fosse o paciente, agora desperto, para lançar luz sobre aspectos até então ignorados. Em seu depoimento, ele diz ser um engenheiro que acabara de voltar de dois anos de trabalho numa mina de cobre situada no alto de uma cordilheira, tornando claro para o médico que o quadro em questão não se tratava de uma doença no sentido usual do termo, mas de uma readaptação de um “organismo clinicamente saudável a um meio drasticamente alterado. Se a atenção do médico permanecesse exclusivamente concentrada no paciente e se apenas a ecologia do meio habitual do médico fosse levada em conta, o estado do homem continuaria sendo um mistério” (Watzlawick,1973. p.17).

Situação 3) Um homem barbudo caminha por entre arbustos, rastejando e agachando-se enquanto descreve uma trajetória em forma de oito, olhando por cima do ombro e emitindo sons esquisitos. Assustados, os turistas que visitavam aquela região paravam para assistir àquela cena de olhos arregalados. Não sabiam, porém, que aquele era Konrad Lorenz, um importante pesquisador do imprinting, que conduzia um experimento onde agia como substituto da mãe-pata e estava guiando os patinhos pelo gramado, impressionado com a exatidão com que o seguiam. Para os turistas, no entanto, não era possível ver os patinhos ocultos pela grama alta, dando-lhes a  nítida impressão de um comportamento inexplicável, digno da loucura.

Essas três situações aparentemente distintas, se olharmos com atenção, nos permitem concluir que “um fenômeno permanece inexplicável enquanto o âmbito de observação não for suficientemente amplo para incluir o contexto em que o fenômeno ocorre” (Watzlawick, 1973, p.18). Antes os julgássemos inexplicáveis, não é verdade? Quantas vezes, no nosso cotidiano, não nos apressamos em tirar conclusões sem termos nas mãos os elementos necessários para tal? Quantas vezes não julgamos dispor de tais elementos sem, de fato, tê-los à mão?

Aparentemente, esse é um padrão que se repete desde tempos antigos, mas que, na era da informação (que vivemos hoje), ganha alguns agravantes que precisamos considerar: temos nas mãos smartphones, dispositivos que permitem uma conexão em tempo real, 24h por dia - ou enquanto a bateria durar - permitindo o acesso instantâneo à notícias, Whatsapp e E-mails - para dizer o mínimo; uma intensificação do processo iniciado pela popularização da internet, nos anos 90. Na lógica do Smartphone, se a(o) namorada(o) demora a responder um “whats” ou “zap” (para os íntimos), há uma grande chance do(a) autor(a) da mensagem ficar triste ou explodir de raiva, sentindo-se desprestigiado(a) diante do que quer que o outro esteja fazendo. Na lógica do Smartphone, se o(a) empregado(a) demora a responder um e-mail de trabalho, ou a adaptar sua prática a uma notícia “bombástica” que acabou de sair, pode ser que o patrão venha a cobrá-lo(a), ainda que nada disso tenha ocorrido dentro do horário de serviço.

Essa possibilidade de dar e receber respostas imediatas fez nascer a demanda por sua obrigatoriedade, sob a qual agimos, muitas vezes, sem nos darmos conta, e que nos estimula a fazer julgamentos rasos baseados nos valores e conhecimentos dos quais dispomos à ocasião. Afinal, fazer uma pesquisa, se colocar no lugar do outro, procurar ouvir mais de uma versão para um mesmo fato, tentar ver que conjuntos de valores e outros fatores estão em jogo levaria tempo demais, acarretando proporcional angústia tanto em quem anseia pela resposta quanto naquele que se propõe a oferecê-la. 

Dessa forma, procurar entender e dominar nossas angústias pode ser a chave para nos permitirmos uma observação “suficientemente ampla” das situações-problema, e, por consequência, chegarmos a conclusões mais precisas, ainda que incompletas. Tal como quem admira um quadro impressionista, precisamos nos permitir o tempo e o distanciamento necessários para que possamos ter uma melhor visão e compreensão do “todo” da obra, mesmo que muita coisa ainda escape à percepção.
Referência:

WATZLAWICK, P. (1973) Quadro de referência. In: A pragmática da comunicação humana: um estudo dos padrões, patologias e paradoxos da interação. São Paulo: Editora Cultrix, 2007.